‘Não queremos participar só como ouvintes, nós queremos construir a COP30’, afirmam lideranças indígenas

Casa de aproximadamente 180 povos indígenas, o bioma amazônico receberá a cúpula do clima pela primeira vez

Ariene Susui Manaus (AM) 

Dificuldades financeiras, logísticas e de disseminação de informação dão alguns dos obstáculos para a participação dos povos originários – Isaka Hunikui/Rede de Jovens Comunicadores da COIAB

“Nós queremos ser protagonistas dessa conferência do clima. Em 2025, o mundo irá noticiar a COP na Amazônia brasileira, todavia nos perguntamos: será que o governo vai garantir apoio e oportunidades para os povos indígenas participarem, inclusive com recursos?”, pontua a líder indígena Auricélia Arapiuns, coordenadora do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (Cita) sobre a participação dos povos indígenas na COP30. 

Em 2022, o Brasil passou por uma eleição acirrada entre os dois principais candidatos que concorriam à presidência da república. Saiu eleito Luiz Inácio Lula da Silva e, naquele final de ano, seguiu para sua primeira agenda internacional após a eleição: o destino era Sharm El-Sheik, Egito, local onde ocorria a Conferência do Clima das Nações Unidas. 

Os olhos dos países estavam na COP27 quando foi anunciado que o Brasil estava concorrendo para sediar a COP30 em 2025 na cidade de Belém. No dia 17 de junho, o presidente Lula anunciou, em uma cerimônia com o governador do Pará, Helder Barbalho, a realização da conferência no Brasil, pela primeira vez na Amazônia.

O bioma amazônico é casa de aproximadamente 180 povos indígenas, com registro de mais de 114 povos em isolamento voluntário. Os territórios indígenas da Amazônia concentram em torno de 110 milhões de hectares, lar de 51,25% da população indígena do país (867,9 mil pessoas), de acordo com os dados do IBGE de 2022.

Os povos originários sempre estiveram nas COPs nos espaços não oficiais. Em 2022, uma comitiva de 40 lideranças indígenas da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) estiveram no Egito nos espaços destinados à sociedade civil. Nessas áreas, fizeram seus debates e manifestos com propostas para o enfrentamento das mudanças do clima com a participação direta dos povos indígenas. 

Desde o anúncio da COP30 no Brasil, o coordenador da Coiab, Toya Manchineri, tem destacado que os passos para a participação dos povos indígenas no maior evento do clima estão sendo dados.

“Nossa primeira movimentação iniciou com a reunião que foi realizada em Brasília neste ano de 2023, onde construímos uma proposta sobre a Amazônia que queremos, junto com os representantes indígenas da bacia amazônica. Logo após, estivemos realizando uma cúpula indígena para fortalecer nossas propostas, que é o debate juntamente com os governos para enfrentamento das mudanças climáticas, a defesa dos territórios indígenas e também discutir uma economia que atenda aos nossos modos de viver”, pontua.

Mesmo com a participação  do movimento indígena nos eventos que antecedem a  COP30, como a Cúpula da Amazônia, os desafios são grandes para que essa população participe desses espaços, principalmente devido às dificuldades logísticas e geográficas. Muitas vezes o acesso só é possível por barcos, com altos preços de combustível. Em alguns casos, é necessário transporte aéreo.

A líder Indígena Auricélia Arapiuns, coordenadora do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (Cita) do Pará, tem reivindicado a participação dos povos indígenas na construção da COP30 e demonstra preocupação em relação à falta de apoio dos governos à população amazônica para construir eventos que discutem propostas sobre a Amazônia. Ela menciona que os povos indígenas têm que ser os principais atores nessa COP e lembra o papel fundamental dessa população na proteção de seus territórios, essenciais para a preservação da maior floresta tropical do mundo. No entanto, por conta das dificuldades logísticas, teme que esses povos não consigam participar do maior encontro do clima do planeta. 

“Retirar as lideranças indígenas do território para qualquer participação em evento é muito caro. A Amazônia que tanto falam mundo afora é diversa, temos regiões muito distantes. Então, é preciso recursos para que essa população esteja nos locais de debates. O que houve agora no Diálogos da Amazônia foi uma total desassistência aos nossos povos por parte do governo do Pará e também dos demais governantes, e temo que isso aconteça na COP30”, disse Auricélia.

Apesar de os países estarem de olho na preparação da primeira COP na Amazônia, os povos que vivem nela pouco sabem sobre esse evento mundial. Por isso, levar as informações às comunidades é fundamental. No entanto, as dificuldades são grandes, pois são áreas com muita precariedade no acesso à informação. A comunicadora indígena da rede Wayuri do Rio Negro, Juliana Baré, revela que o maior desafio é levar informações para as 750 comunidades que vivem em territórios indígenas, muitas delas, apenas com acesso  à radiofonia e a rádios postes. 

“A internet na região amazônica é precária, mas aos poucos estamos tendo acesso. Algumas aldeias já possuem alcance, dessa forma vamos aproveitando essa ferramenta para levar informações para a população indígena”, afirma Juliana. 

Outra forma que os comunicadores da rede rede Wayuri criaram para se comunicar foi o “Papo da Maloca”, programa transmitido de São Gabriel da Cachoeira por rádio. O coletivo convida especialistas para explicar para as comunidades assuntos como o REDD+, um instrumento criado dentro do quadro da ONU com objetivo de remunerar os países que estão em desenvolvimento e apresentem resultados positivos na recuperação e proteção de suas florestas; o crédito de carbono, uma forma de compensação para os países que param de emitir um determinado peso de carbono; e mudanças climáticas.

“Estamos levando pessoas técnicas no programa para explicar o que é isso para as comunidades, porque tem pessoas adentrando, tem empresas chegando e fazendo assédio direto às aldeias, e isso é preocupante”, afirma Juliana.

Apesar de falarem sobre a COP nos meios de comunicação, Juliana afirma que este debate não está sendo feito junto aos comunicadores indígenas.  

“A gente ouve falar muito aqui em mudanças climáticas, mas sobre a COP em si, a gente não vê esse debate com os comunicadores. Nós não temos falado muito sobre isso pois ainda não entendemos como isso irá funcionar no Brasil, e é por isso que a gente não tem conversado com as lideranças indígenas. Eles têm uma noção do que é essa COP, do que são esses acordos, no entanto avaliamos que precisamos ter mais formação para que consigamos entender para  podermos levar as informações para a base”, finalizou.

O debate da COP30 na Amazônia está se encaminhando para se tornar realidade, mas ainda é preciso saber como ficarão os povos indígenas que vivem nesse bioma. São esses povos que estão lutando há décadas contra o garimpo, a exploração do petróleo, madeireiros ilegais, a contaminação dos rios e a pobreza. Por isso é preciso que o governo brasileiro adote medidas com planejamento e orçamento para incluir os indígenas nos debates oficiais e na própria construção da COP. Não há como falar de Amazônia sem falar da população que vive nela, e nada mais justo que eles possam ser os protagonistas deste grande evento mundial. 

*Reportagem para o Programa de Microbolsas Jornalismo Tapajós, uma parceria do Laboratório de Comunicação Amazônia e do Projeto Saúde e Alegria para estimular a produção jornalística de jovens profissionais da região.

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Author: vozesdotapajos