Liderada pela Coalizão Vozes do Tapajós, a iniciativa avaliou os planos de governo apresentados à justiça eleitoral, com compromissos de candidatos sobre como a próxima gestão municipal atuará em relação à crise climática. Em meio à situação vivenciada, a coalizão considera baixo o nível de importância do tema nas propostas dos candidatos. Conheça;
A uma semana das eleições municipais, em meio a crise climática acentuada na região do Tapajós pela estiagem severa, altas temperaturas e queimadas, a pauta clima se torna ainda mais urgente. A coalizão Vozes do Tapajós Combatendo as Mudanças Climáticas, composta por sete organizações (Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns – CITA, Projeto Saúde e Alegria, Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém – STTR, Sociedade para Pesquisa e Proteção do Meio Ambiente – SAPOPEMA, Associação Suraras do Tapajós, Conselho Indígena Tupinambá – CITUPI, Coletivo Daje Kapap Eipi Munduruku), lança uma avaliação sobre as propostas dos candidatos ao Governo Municipal de Santarém, a partir dos planos de governo apresentados e disponíveis no Tribunal Superior Eleitoral.
Os planos de governos são documentos em que os candidatos apresentam suas propostas para a gestão pública. No caso das candidaturas para as prefeituras municipais, a apresentação do plano é obrigatória, sendo o documento anexado a outros documentos obrigatórios que compõem as candidaturas, como declaração de bens. Após as eleições, o comprometimento dos eleitos em efetivarem seus Planos de Governo não é garantido, mas os Planos são instrumentos que a sociedade civil possui para avaliar os candidatos e, posteriormente, poder cobrar a implementação das propostas.
Por isso, o grupo de organizações considerou relevante avaliar os planos apresentados, sobre o que eles dizem em relação a essa crise climática que estamos vivenciando, coincidentemente acentuada em pleno período eleitoral. Setembro começou com uma intensa onda de calor tomando conta da maior parte do território brasileiro, com temperaturas ficando até 5ºC acima da média em várias regiões, podendo ser o setembro mais quente já registrado.
A mudança climática é global e sua intensificação é resultado do modo de vida da humanidade, seus padrões de consumo, de uso da terra e principalmente da queima de combustíveis fósseis. Mas o que isso tem a ver com a gestão de um município?
É no município que a vida acontece, tanto em cidades com aglomerados urbanos onde residem mais de 60% dos brasileiros, como também no campo, na amazônia, em comunidades e aldeias espalhadas ao longo dos rios e estradas. É onde a população sente na pele os efeitos das mudanças do clima, sendo impactada com alagamentos, deslizamentos, e como agora, altas temperaturas, secas extremas de rios provocando crise hídrica, falta de alimentos, poluição do ar, problemas de saúde e isolamento da população.
Os Governos Federal e Estadual têm ampla responsabilidade em preparar ações de mitigação e adaptação a essa crise. No entanto, os municípios e cidades brasileiras não estão preparados para esse “novo normal” de calor, chuvas e secas intensas. Estudo da Plataforma Adapta Brasil, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTIC), mostra que mais de 65% dos municípios brasileiros têm baixa ou baixíssima capacidade de adaptação a desastres climáticos. Por isso é fundamental que candidatos a prefeito e também vereadores apresentem planos de adaptação de forma integrada às diretrizes nacionais e estaduais.
A crise climática é um tema que atravessa todas as áreas de uma gestão municipal. Com calor extremo, queimadas, mais poluição do ar, mais doenças, pressionando os sistemas públicos de saúde.
Secas afetam o abastecimento de água. Inundações e deslizamentos ameaçam a vida de milhares de pessoas, acabam com a infraestrutura urbana e alteram o ir e vir da população. As escolas são fechadas, seja por causa do calor, seja pelo excesso de chuvas. Toda cidade agora tem de se adaptar para resistir a esses eventos,evitar os piores impactos e preservar vidas.
Mas como os candidatos à prefeitura de Santarém estão se posicionando em relação a isso? Veja a análise das propostas registradas na justiça eleitoral. A avaliação realizada é de cunho técnico e não é partidária, ainda que esteja politicamente posicionada a favor da elaboração de políticas públicas de combate, adaptação e mitigação às mudanças climáticas.
Comentários sobre a avaliação qualitativa das propostas de plano de governo
Em geral, a coalizão considera baixo o nível de compreensão, importância e senso de emergência que o tema das mudanças climáticas necessita ter na agenda pública municipal, considerando tudo o que estamos vivenciando, com comunidades em situação de isolamento, estresse hídrico, falta de acesso à água, insegurança alimentar, queimadas, e uma cidade com ruas sem arborização num calor elevadíssimo.
Hugo Diniz:
Pontos positivos: Possui proposta razoavelmente bem estruturada na temática das mudanças climáticas, propondo a criação de um Plano Municipal de Adaptação Climática. O Plano de Governo faz uma boa integração dos temas, de modo a articular, por exemplo, o tema da segurança alimentar e do desenvolvimento de cadeias produtivas sustentáveis à políticas de apoio à agricultura familiar.
Pontos negativos: Praticamente não possui políticas específicas para povos indígenas, e quando apresenta suas propostas para agricultura familiar e segurança alimentar, não menciona valorização do trabalho das mulheres, cujo trabalho é fundamental dentro dessas temáticas.
José Maria Tapajós:
Pontos positivos: Possui proposta razoavelmente bem estruturada na temática das mudanças climáticas, propondo a criação de um Grupo de Trabalho que deverá criar um Plano de Adaptação às Mudanças Climáticas. É o único candidato com proposta de gestão de resíduos sólidos específica para comunidades ribeirinhas, propondo a coleta de lixo por meio fluvial.
Pontos negativos: Não relaciona as propostas de desenvolvimento econômico ao desenvolvimento sustentável, de modo que não fica claro se e como os investimentos na econômicos em atividades produtivas, como o agronegócio, entre outros, priorizarão propostas com viés sustentável. Do mesmo modo, não aponta como investimentos propostos em infraestrutura, como portos, estradas, levarão em conta critérios de sustentabilidade e salvaguarda de direitos de populações tradicionais.
Izabel Sales:
Pontos positivos: É a única candidata que menciona apoio à agroecologia e o reconhecimento, valorização e proteção da diversidade sociocultural amazônica, considerando públicos indígenas, tradicionais, mulheres e LGBTQI+. É a única candidata que tem como horizonte político o conceito de Bem Viver, muito defendido por movimentos sociais como solução de base comunitária e baseada nas relações equilibradas entre homem e natureza principalmente em territórios de populações indígenas e tradicionais.
Pontos negativos: As propostas referentes a diferentes temas, como as mudanças climáticas, educação ambiental e arborização, por exemplo, poderiam indicar melhor as ações objetivas. Algumas das abordagens propostas se referem apenas ao papel fiscalizador e à elaboração de planos que devem ser feitos pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, porém seria importante indicar ações mais efetivas.
Juscelino Kubitschek (JK do Povão):
Pontos positivos: Possui proposta estruturada sobre o tema da segurança alimentar, prevendo a criação de Coordenadoria de Segurança Alimentar e Nutricional de Santarém, o apoio à aquisição de equipamentos agrícolas e à assistência técnica rural, de maneira articulada ao acesso ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Se compromete a garantir que as compras realizadas no âmbito da Política Nacional de Alimentação Escolar garantam 30% de alimentos vindos da agricultura familiar, em conformidade com a diretriz nacional.
Pontos negativos: Não menciona mudança climática. Não possui qualquer proposta diretamente relacionada ao enfrentamento ou mitigação dos efeitos das mudanças climáticas como a estiagem e a seca. Não possui propostas para agricultura orgânica ou agroecológica, mesmo no âmbito da agricultura familiar. Menciona apoio ao agronegócio sem mencionar qual setor do agronegócio e como será apoiado, o que pode potencialmente elevar a crise climática que vem sendo agravada em função dos modelos predatórios de uso do solo.
Jardel Guimarães:
Pontos positivos: Possui proposta para incentivo à economia circular por meio de uma política municipal de resíduos sólidos.
Pontos negativos: Não menciona as mudanças climáticas, ou a seca, ou a estiagem. Não possui propostas para as mudanças do clima. Não possui propostas para segurança alimentar, com exceção da garantia da “merenda escolar”.
Depoimentos do Candidatos
Uma vez que a avaliação foi realizada apenas com base no planos oficiais protocolados na justiça eleitoral, a coalizão solicitou depoimentos dos candidatos sobre o tema, com prazo até o dia 27/09/2024, afim de ajudar os eleitores na sua avaliação.
Leia e assista aos depoimentos enviados
“Um dos pilares do plano de governo, que proponho, é a busca do protagonismo de Santarém, principalmente nas discussões sobre as mudanças climáticas em nível regional e global. Faremos a elaboração coletiva e participativa do Plano Municipal de Adaptação Climática, prevendo ações estratégicas e de contingência para eventos extremos, com especial atenção às comunidades ribeirinhas. Criaremos uma sala de situação de monitoramento climático, em parceria com o Programa de Ciências Atmosféricas da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) e com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Mobilizaremos a sociedade em torno de um ousado programa de arborização, visando conforto térmico, segurança alimentar, reflorestamento de praias, de matas ciliares e de áreas degradadas. Faremos um conjunto de ações para proteção de mananciais e igarapés, articulando a criação de parques lineares. Vamos apoiar a iniciativa popular de estabelecer o Rio Arapiuns como um rio de direitos. Com recursos de fundos nacionais e internacionais, iniciaremos os investimentos em saneamento ambiental, priorizando o acesso à água de qualidade e a construção do primeiro aterro sanitário de Santarém” – Hugo Diniz.
“Nos últimos anos, Santarém vem sofrendo com os efeitos devastadores das mudanças climáticas, como as altas temperaturas e a estiagem, problemas que afetam o estilo de vida e o sustento de muitos santarenos. Se eleito, irei encarar a crise climática com estratégia, investimento e eficiência, fortalecendo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente como órgão fundamental de fiscalização, com foco no combate às queimadas e ao desmatamento. Além disso, irei apoiar atividades de conservação e manejo de recursos naturais, para garantir o aproveitamento responsável dos nossos rios e florestas. Também pretendo instituir um projeto específico para arborização das vias suburbanas e implementar políticas de educação ambiental efetivas. A má gestão do lixo é outro problema grave em Santarém, e tem relação direta com as mudanças climáticas. Para resolver essa questão, pretendo construir um aterro sanitário moderno e incentivar práticas mais sustentáveis para o manejo do lixo, como a reciclagem e a compostagem. Os impactos das mudanças climáticas, que se agravam a cada ano, colocam em risco o presente e o futuro da nossa cidade. Como prefeito, irei tratar essa questão como prioridade, e fazer de Santarém uma cidade mais sustentável” – Juscelino Kubitschek (JK do Povão).
“Historicamente a Amazônia tem sido ocupada por modelos de desenvolvimento concentradores de renda, socialmente excludentes, culturalmente preconceituosos e ambientalmente predatórios. Hoje, quem representa esse modelo em Santarém é o agronegócio. Nosso lema é a Santarém do Bem Viver, que se fundamenta nos valores dos povos da floresta: indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, que vivem em harmonia com a natureza, preservam o meio ambiente e mantêm a floresta em pé. Vamos criar um sistema de proteção integrado dos territórios usando tecnologias em parceria com os Governos Federal e Estadual, ICMBio, universidades e terceiro setor, intensificando as políticas de fiscalização e combate às queimadas, à apropriação ilegal de terras e uso de agrotóxicos. Vamos fortalecer as cadeias produtivas da bioeconomia, ampliando os investimentos nos bioempreendimentos, agregando valor aos produtos da floresta, como a castanha, a andiroba, a copaíba e o açaí. Nossa região é muito rica em cultura e biodiversidade. Quem vem para cá quer ver cultura e biodiversidade. Vou criar um programa de valorização do turismo ecológico e de base comunitária. Esse programa será desenvolvido com o protagonismo dos comunitários, temos muito a aprender com eles. Meu compromisso é com a floresta em pé e com o desenvolvimento sustentável da Amazônia e de Santarém” – Izabel Sales.
[Candidado José Maria Tapajós não enviou vídeo]
“Apresento um plano de governo inovador e comprometido com a sustentabilidade ambiental, visando transformar Santarém em um modelo regional de desenvolvimento sustentável. Minha proposta é baseada em ações concretas e participativas que integram conservação ambiental, desenvolvimento socioeconômico e educação ambiental, alinhadas com as necessidades do município e o anseio da população por um futuro mais verde e saudável. Os impactos das queimadas e das mudanças climáticas é uma grande preocupação em minha gestão, por isso, vou desenvolver um conjunto de ações para combater práticas lesivas ao meio ambiente. Meu plano inclui a implementação de uma plataforma digital que permita o monitoramento em tempo real dos índices de qualidade do ar, recursos hídricos e geração de resíduos. Vou criar o comitê climático, com a participação da sociedade civil organizada, visando elaborar o plano de adaptação às mudanças climáticas, com ações de mapeamento de áreas de risco, fortalecimento da infraestrutura urbana, e desenvolvimento de estratégias de gestão de desastres naturais e eventos extremos, como a seca, além de investir em medidas de conservação e restauração de ecossistemas naturais, como áreas de proteção ambiental, que contribuam para a regulação do clima, a proteção da biodiversidade e a segurança hídrica. Reconheço a urgência da crise ambiental e em minha gestão teremos soluções práticas. Estou preparado para enfrentar os desafios do presente, construindo um futuro mais verde e sustentável para Santarém” – Zé Maria Tapajós.
[Candidato Jardel Guimarães optou em não se manifestar sobre o tema]
Conheça a metodologia utilizada
A análise dos planos utilizou a investigação qualitativa. A análise avaliou as propostas dos candidatos à Prefeitura Municipal de Santarém, considerando os seguintes temas prioritários.
1) Mudança climática e termos sinônimos (como mudança do clima, catástrofe climática, crise climática) OU Adaptação climática OU Mitigação climática;
- Redução de emissão de gases do efeito estufa OU Transporte coletivo OU Transporte público;
- Segurança alimentar OU Soberania Alimentar OU Agroecologia;
- Povos e Comunidades Tradicionais OU Povos Indígenas, Ou Pescadores, Quilombolas;
- Sociobiodiversidade OU Sociobioeconomia OU Economia verde OU Economia sustentável; 6. Educação climática OU Educação ambiental;
- Transição energética Ou Energia limpa OU Energia solar;
- Cidades sustentáveis OU Arborização;
- Pessoas afetadas por desastres OU Eventos extremos OU Desastres OU Seca;
- Resíduos sólidos.
Dessa maneira, cada tema foi avaliado de acordo com os seguintes critérios:
- O candidato possui proposta para essa temática? Essa proposta está estruturada de maneira clara, ou seja, detalhando o que, como e quando será implementada?
- É feita a indicação de qual secretaria ou órgão público será responsável pela execução de proposta, ou se será criado um órgão específico?
- É indicada alguma dotação orçamentária ou formas de financiamento?
- A proposta é feita de modo a considerar os seguintes públicos: mulheres, público LGBTQIA+, negros (considerando pretos e pardos), povos e comunidades tradicionais ou povos extrativistas; agricultores familiares; e povos indígenas.